terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Eis um caminho a seguir.



                                                     
 Leonardo Boff


O que move pessoas é menos o intelecto que o sentimento



A natureza que muda é a mestra da justa medida





A natureza é uma realidade tão complexa que não pode ser encerrada em
nenhuma definição. Ela permanece um mistério. O que possuímos são
discursos culturais sobre a natureza. Em nome de cada compreensão,
decide-se qual é o nosso lugar nela e que tipo de intervenção é adequada
ou não.


Quando contemplamos a natureza, salta logo aos olhos uma medida imanente
a ela que resulta não das partes tomadas isoladamente, mas do todo
orgânico e vivo. Há harmonia e equilíbrio. Ela não é biocentrada como se
a vida fosse tudo, mas no equilíbrio dinâmico entre vida e morte.


Para os contemporâneos, a natureza resulta de um imenso processo de
evolução que vai além do modelo de Darwin (1809-1882), que a restringia
à biosfera, sem incluir o cosmos. Tudo começou com o Big Bang num
processo não linear de saltos, flutuações e bifurcações. Não só se
expande, mas cria possibilidades novas. Significa que as leis naturais
não possuem caráter determinístico, mas probabilístico.


Os conhecimentos da termodinâmica sinalizam que a vida no universo surge
a partir da ruptura do equilíbrio. Essa quebra da medida é um momento,
pois provoca em seguida a auto-organização que cria um novo equilíbrio
dinâmico. É dinâmico porque continuamente se refaz, não pela reprodução
do equilíbrio anterior, mas pela criação de um novo.


Isso não significa que a natureza não possua uma medida; o que ela não
possui é uma medida estática e mecânica, mas dinâmica e flutuante,
caracterizada por constâncias e variações. Há fases de ruptura para logo
em seguida gestar nova regularidade. O clima da Terra por exemplo,
bilhões de anos atrás passou por turbulências. A Terra já foi quase duas
vezes mais quente que hoje, mas apesar disso mostrou ao longo das eras
um equilíbrio dinâmico que tem favorecido benevolamente a vida em sua
diversidade.


A natureza, vista como um todo, não impõe prescrições. Aponta para
tendências e regularidades que podem ir em várias direções. Cabe ao ser
humano, auscultando a natureza com fina percepção, escolher uma que lhe
pareça mais adequada. Então, ele surge como um ser responsável e ético.


O ser humano deve seguir a lógica da natureza: fazer e refazer
continuamente o equilíbrio. Não de uma vez por todas, mas sempre em
atenção ao que está ocorrendo no ambiente, na história e nele mesmo. A
justa medida muda, o que não muda é a sua permanente busca.


O ser humano capta essa medida multidimensional na proporção de sua
escuta e do dialogo com a natureza. Quanto mais mergulha nela e respeita
seus ritmos, mais sente quando deve mudar e quando deve conservar.


Investigações recentes mostraram que as pessoas não mudam por causa de
informações sobre o aquecimento global, mas quando sofrem na pele com a
degradação ambiental. Isso comprova que o motor que move as pessoas é
menos o intelecto que o sentimento profundo, raiz do novo paradigma de
convivência com a Terra. Sem esse sentimento não ouviremos a grande voz
da Terra a nos convidar para a sinergia, a compaixão, a coexistência
pacífica com todos os seres.


Se essa sintonia fina com a natureza em nós e também ao nosso redor não
se transformar numa cultura, então estaremos sempre às voltas com a
busca da justa medida a ser encontrada e aplicada.


Viveremos reconciliados conosco mesmo e com a natureza.

Eis um caminho a seguir.


Publicado em: 16/10/2009