10/03/2010 - 05h55
“Num “País de Todos” chamado Brasil, empresas cotinuam cometendo excessos contra seus empregados”
Oswaldo Martins Rizzo*
“Morreu na contra-mão atrapalhando o tráfego”
(Chico Buarque de Holanda)
(Chico Buarque de Holanda)
Em meados da primeira década do século passado, foi publicado um livro-denúncia chamado “The Jungle” (“A Selva”) sobre a exploração dos trabalhadores pelos trustes dos alimentos enlatados de Chicago. O autor - Upton Sinclair - narra, com detalhes, as selvagens condições vividas por uma família onde os homens adoeciam por excesso de trabalho estafante; as mulheres se prostituíam e os filhos morriam em acidentes nas fábricas.
Curiosamente, os leitores se interessaram mais por um breve trecho que descreve a falta de higiene do processo manufatureiro do enlatamento dos alimentos, levando Sinclair a declarar que: “Eu visava atingir o coração do público e, acidentalmente, atingi-o no estômago (...) Desejava aterrorizar o País pintando um quadro daquilo que seus senhores industriais estavam fazendo com suas vítimas (...) e totalmente por acaso deparei com outra descoberta: o que faziam com o abastecimento de carne do mundo civilizado”. “The Jungle” causou uma enxurrada de críticas derrubando as vendas dos produtos enlatados e, sob pressão popular, os congressistas aprovaram uma lei regulando as condições higiênicas na linha de produção industrial (“Pure Food and Drug Act”), mas pouco refrearam as desumanas condições impostas aos trabalhadores.
Um século depois, num “País de Todos” chamado Brasil, empresas continuam cometendo excessos contra empregados comparáveis àqueles denunciados em “A Selva”. Por unanimidade, a 3a Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) deferiu recurso interposto por uma empregada que, obedecendo a um regramento implantado pela sua empregadora, só podia abandonar seu posto de trabalho para ir ao toalete com a prévia autorização da empresa, que limitava a ida a apenas uma vez, além de fixar o tempo disponível para saciar as necessidades fisiológicas em, no máximo, cinco minutos. A magistrada relatora da ação julgou que a empregadora violou artigos da Constituição Federal e das Leis Trabalhistas, condenando-a ao pagamento de indenização por danos morais.
No mundo inteiro, o trabalho na indústria da construção é considerado um dos mais perigosos, posicionando-se não muito atrás da pesca de caranguejos no Mar de Bering, no Alasca, a atividade humana campeã mundial de acidentes com óbitos proporcionais. Para ilustrar: na China, o antigo costume de usar bambu nos andaimes para erguer edifícios altos constitui-se na maior causa de acidentes, sendo registrado um dos maiores índices mundiais de mortalidade entre os operários da construção. O surto de edificar arranha céus - ícones do atual boom econômico - aumentou a demanda por bambu, que acaba sendo usado muito verde e ainda sem a grande resistência da gramínea madura. A ruptura do andaime lança o trabalhador para a morte certa.
O setor da construção brasileiro tem intensidade tecnológica e produtividade do fator trabalho baixas. Para se construir mais necessariamente tem-se que ocupar mais operários, o que reduz o nível geral de desemprego. Todo estímulo governamental à construção abre novas vagas. Apesar das significativas melhorias dos últimos anos, as condições de trabalho ainda são muito ruins na comparação com as de países desenvolvidos. Para cada trabalhador morto em acidente de trabalho nos EUA, proporcionalmente morrem dois na Europa e trinta no Brasil.
Com a vigência do Novo Código Civil (Lei 10.404/02) a partir de 11 de janeiro de 2.003, a questão despertou interesse devido à imprecisa redação dada ao seu artigo 927 estabelecendo, no entendimento de alguns, a implícita e indefensável obrigação da empresa que emprega trabalhadores em funções de risco (como algumas do setor da construção) de indenizar a vítima (ou seus beneficiários) independentemente de ser provada a sua culpa ou dolo na ocorrência do acidente - figura conhecida no vocabulário jurídico como “culpa objetiva” -, uma interpretação fomentadora do aumento do contencioso trabalhista das empresas, pois na Justiça do Trabalho cabem menos recursos que nas demais esferas do Judiciário.
Com a vigência do Novo Código Civil (Lei 10.404/02) a partir de 11 de janeiro de 2.003, a questão despertou interesse devido à imprecisa redação dada ao seu artigo 927 estabelecendo, no entendimento de alguns, a implícita e indefensável obrigação da empresa que emprega trabalhadores em funções de risco (como algumas do setor da construção) de indenizar a vítima (ou seus beneficiários) independentemente de ser provada a sua culpa ou dolo na ocorrência do acidente - figura conhecida no vocabulário jurídico como “culpa objetiva” -, uma interpretação fomentadora do aumento do contencioso trabalhista das empresas, pois na Justiça do Trabalho cabem menos recursos que nas demais esferas do Judiciário.
A contra-argumentação se baseia no inciso XXVIII do artigo 7o da Constituição Federal que já regulamenta a questão explicitando a obrigação da empresa de indenizar a vítima tão-só quando for provada a sua culpa ou dolo. Uma lei não pode se sobrepor à Constituição Federal, explicam os contra-argumentadores afirmando que nas ações de indenização por acidente de trabalho – ainda que em atividades consideradas de risco –, o empregador continua tendo o direito ao contraditório e de provar sua inocência, livrando-se da figura da “culpa objetiva”.
*Oswaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)