domingo, 28 de fevereiro de 2010


" O TEMPO PASSOU E ME  FORMEI EM SOLIDÃO" 
 
José Antônio  Oliveira de Resende
Professor de Prática de  Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes  e Cultura,
da Universidade Federal de  São João del-Rei.

Sou do tempo em que  ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a  gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar  algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém  avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os  donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os  moradores iam se apresentando, um por  um.
ˆ Olha o compadre aqui, garoto!  Cumprimenta a comadre.E o  garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e  a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se  toda a diplomacia.
ˆ Mas  vamos nos assentar, gente. Que surpresa  agradável!A conversa rolava  solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe  de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados  todos num mesmo sofá, entreolhando- nos e olhando a casa do  tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa  cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e  acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão  acolhedoras que era também costume servir um bom café aos  visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da  cozinha ˆ geralmente uma das filhas ˆ e dizia:
ˆ Gente,  vem aqui pra dentro que o café está na  mesa.Tratava-se de uma  metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo  sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da  noite.
O tempo passou e me formei em  solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD,  e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os  amigos fora de casa:
ˆ Vamos  marcar uma saída!... ˆ ninguém quer  entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos  anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde  perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos  biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!

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