“Governo não precisa do 'sim' da imprensa. Governo evolui com o 'não' da imprensa. A proximidade da imprensa com o governo abafa, distorce o jornalismo”
Luiz Cláudio não é formado em Jornalismo. Formou-se na vida, no exercício da sua profissão. E formou-se com brilho. Na década de 70, ele noticiou o seqüestro dos uruguaios Universindo Dias e Lilian Celiberti no Rio Grande do Sul, uma ação da Operação Condor, um braço conjunto das ditaduras sul-americanas da época. Luiz Cláudio levou 42 anos para receber um diploma. Mas o discurso que segue é uma empolgante aula de jornalismo e de história, e uma profunda reflexão sobre os atuais desafios do ofício de repórter nos tempos atuais, que merece ser publicada e lida.
“Todos têm que lembrar”
Luiz Cláudio Cunha*
O jornalismo é atividade humana que depende essencialmente da pergunta, não da resposta. O bom jornalismo se faz e se constrói com boas perguntas. O jornalismo de excelência se faz com excelentes perguntas.
A pergunta desafia, provoca, instiga, ilumina a inteligência, alimenta o pensamento. Ao longo de milênios, o homem evoluiu seguindo a linha tortuosa de suas dúvidas, das perguntas que produziam respostas, das respostas insatisfatórias que geravam novas questões, que provocavam mais incertezas, mais perguntas.
Perguntando, o homem saiu da caverna, cresceu, evoluiu e se definiu como ser pensante. O homem se agrupou em tribos, criou hábitos, estabeleceu regras de convívio, preservou a espécie, expandiu habilidades, depurou a fala, criou à escrita, disseminou experiências, inventou ferramentas, desenvolveu recursos, ganhou qualidade de vida, garantiu o alimento para o corpo e para o espírito. Um processo civilizatório irrefreável sempre escoltado por perguntas, outras perguntas, mais perguntas.
Perguntando, o homem saiu da caverna, cresceu, evoluiu e se definiu como ser pensante. O homem se agrupou em tribos, criou hábitos, estabeleceu regras de convívio, preservou a espécie, expandiu habilidades, depurou a fala, criou à escrita, disseminou experiências, inventou ferramentas, desenvolveu recursos, ganhou qualidade de vida, garantiu o alimento para o corpo e para o espírito. Um processo civilizatório irrefreável sempre escoltado por perguntas, outras perguntas, mais perguntas.
Senhoras e Senhores,
O governo, qualquer governo, faz mal à imprensa.
A imprensa, toda a imprensa, faz bem ao governo – principalmente quando critica.
Governo não precisa do 'sim' da imprensa. Governo evolui com o 'não' da imprensa.
A proximidade da imprensa com o governo abafa, distorce o jornalismo.
A distância entre governo e imprensa é conveniente para ambos, útil para a sociedade e saudável para a verdade.
Jornalismo é tudo aquilo de que o governo não gosta. Tudo aquilo de que o governo gosta é propaganda.
Certa vez, o segundo presidente da ditadura, general Costa e Silva, queixou-se das críticas da imprensa. Sua interlocutora, a condessa Pereira Carneiro, dona do Jornal do Brasil, esclareceu que eram apenas "críticas construtivas". O general, sempre franco, foi direto ao ponto: "Mas o que eu gosto mesmo é de elogio!..."
Isso é uma grande injustiça com Costa e Silva. Ele não era o único. Todos os presidentes acham e querem a mesma coisa, só não dizem.
A transição de poder de Lula para Dilma permite notar, neste campo, uma evidente evolução. A boa novidade surgiu já no primeiro discurso da primeira mulher presidente, na noite de sua vitória: "Disse e repito que prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras. As críticas do jornalismo livre ajudam ao país e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório", disse Dilma, enunciando algo impensável na cabeça de seu loquaz antecessor.
A imprensa, numa definição mais simples, deve ser o fiscal do poder e a voz do povo. Com o estrito cuidado para não inverter essa equação.
A função primordial da imprensa está acima e além do governo, de qualquer governo.
O leitor vive hoje, no Brasil, certo momento de desconforto. O debate em torno do governo separa, reduz e rebaixa a imprensa. Um maniqueísmo feroz divide os meios de comunicação, em suas variadas plataformas, num jogo de perde-ganha, de simpatias e antipatias, amor e ódio, admiração e repulsa, que se retroalimentam e se excluem. Parecem duas torcidas ferozes que vão ao estádio não para exaltar ou vaiar o jogo no campo, mas para brigar na arquibancada. O reducionismo político das últimas eleições divide veículos e profissionais em dois campos aparentemente incompatíveis: PT x PSDB, Lula x FHC, petista x tucano, governista x oposicionista, independente x adesista, golpista x chapa-branca, blog sujo x blog limpo...
É uma regressão lamentável ao estágio exaltado da imprensa da primeira metade do século 20, quando os grandes jornais e seus principais jornalistas tinham forte alinhamento partidário, num momento político em que o Brasil se dividia em torno da figura de Getúlio Vargas, encarnação do bem e do mal para devotos e desafetos.
Mais do que simpatia, os veículos tinham então linhas de aberta simpatia partidária, regular afinidade publicitária e velada contribuição financeira.
Quando cai na armadilha do restrito conflito partidário, a imprensa se apequena e se distancia dos temas mais relevantes da sociedade, perdendo foco e relevância como jornalismo.
Qualquer tentativa de discussão mais serena sobre um tema específico se emaranha imediatamente na rede de desconfiança mútua sobre as motivações políticas e as preferências partidárias subjacentes. Como fogo na palha, isso se reproduz, em doses cada vez mais cavalares, nos comentários de leitores e internautas que assumem o controle do debate e desviam o foco para velhas pendengas que nada têm a ver com o texto original.
Tudo isso agravado por um mal insidioso que com freqüência torna a internet absolutamente insuportável e sofrível: a praga do anonimato.
Com o temerário respaldo dos portais, jornais, revistas e blogs, o inexplicável manto para aqueles que não ousam dizer seu nome é uma porteira aberta para o debate desqualificado, a troca de ofensas, as grosserias crescentes e a total sensação de perda de tempo. O tiroteio entre os internautas, limitado pelo recorrente embate tucano x petista que parece resumir o universo, fulmina qualquer tentativa de um debate inteligente e enriquecedor. O país vive uma completa democracia, que não se reflete na qualidade do que se vê e se lê no tedioso belicismo da internet, com raras exceções. Nada, portanto, justifica o sigilo do nome e o abuso de codinomes engraçados ou ridículos que apenas ocultam a pobreza das idéias e o despreparo para a discussão inteligente. Eu, por princípio, só entro no espaço de comentários com meu nome, profissão e cidade, certo de que é um dever meu me qualificar perante o qual me lê.
Espaço de uma justa e infinita liberdade, a internet deveria simplesmente impor a regra da identificação a quem deseja usufruir de seu espaço democrático. Apenas isso. Imediatamente, resgataríamos o espaço e o tempo perdidos para os que não têm a coragem de expor suas idéias, boas ou ruins, com o próprio nome.
A internet é uma ferramenta que impressiona, encanta, desafia e assusta. Especialmente a indústria da informação e o próprio profissional de imprensa. Atitudes, comportamentos, decisões e requisitos precisam ser redefinidos para situar o papel do jornalista neste admirável mundo novo. Na vida compassada do século 19, o dia já tinha 24 horas, mas o jornal só tinha o livro como concorrente. Dava para ler tudo, da primeira a ultima página. Agora, no frenético século 21, o dia parece mais curto, e o jornal certamente vive uma crise de identidade. Uma pesquisa da Abert mostra que o leitor em 2001 gastava 64 minutos por dia na leitura do jornal. Seis anos depois, essa média baixou para 45 minutos. O jornal está sendo trocado pela internet. Nesse período, o tempo diante da tela do computador pulou de 2 para mais de 3 horas diárias.
Em 2009, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) registrou uma retração de 3.5% na circulação diária total no país, em relação ao ano anterior: a soma de jornais caiu de 8,5 milhões para 8,2 milhões de exemplares. É a segunda queda de circulação desde 2003, a primeira consecutiva.
O Rio de Janeiro é o melhor exemplo dessa preocupante retração. Nos anos 1950, quando ainda era a capital, a cidade de 3 milhões de habitantes tinha 18 jornais diários, com tiragem diária de 1,2 milhão de exemplares. Hoje, com o dobro da população, o Rio tem apenas dois grandes jornais e 500 mil exemplares/dia.
Duas décadas atrás, a Folha de S.Paulo se gabava de ser "o 3° maior jornal do Ocidente", com uma edição dominical de 1 milhão de exemplares. Em 2010, a tiragem média despencou para 294 mil exemplares e a Folha ainda perdeu o primeiro lugar no ranking nacional para o Supernotícia, um jornal popular de Belo Horizonte, vendido a 25 centavos para as classes C e D e que atrai leitores com prêmios como panelas, faqueiros e bugigangas. No sábado, 30 de abril, dia seguinte ao casamento real em Londres, a manchete do maior jornal do Brasil tinha outro tema: "Tarado causa pânico em Sabará".
Mês passado, num fórum sobre liberdade na PUC de Porto Alegre, o músico Lobão, um dos astros do rock nacional, compôs uma bela frase sobre o vórtice da era digital:
– As pessoas, com cada vez mais informação à disposição, estão cada vez menos informadas – disse Lobão.
*Discurso proferido na cerimônia de diplomação de Notório Saber em Jornalismo de Luiz Cláudio Cunha, na Universidade de Brasília, UnB, em 9 de maio de 2011
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